terça-feira, 14 de setembro de 2010

SEDE


Esta forma compulsória de arrumar os pensamentos em palavras escritas, já me vem de longe e chega a ser uma terapia.
Quando os canais mais óbvios da comunicação se escoam na simples presença do ser impregnada  de fluidos mórbidos e viciados, a nossa vidinha torna-se sensaborona e senescente.

Os meus escritos diários (não tão diários assim), foram folhas soltas de cadernos e sebentas, perdidas nas gavetas dos cacos, que a faxina imposta, resolvia sempre triturar.
Lembro que em tempos improvisei um diário sentimentalão, onde escrevi na primeira folha:
" FICA DECRETADO QUE A MAIOR DOR, FOI E SERÁ SEMPRE O NÃO PODER DAR-SE AMOR A QUEM SE AMA E SABER QUE É A ÁGUA QUE DÁ À PLANTA O MILAGRE DA FLOR" .
Este é o artigo 8º dos Estatutos do Homem, do poeta Thiago de Mello e  há muito, tomei como minha esta afirmação num inquietante inconformismo.
Reescrevo-a hoje aqui, de uma forma mais fleumática, a destemperar essa potestade amorosa que anima o nosso enamoramento e nos torna quase, quase, seres alados de flechas apontadas.
E o problema parece mesmo ser esse, ou a solução como se queira, o alvo das flechas, ou a nossa pontaria!...
Prefiro então a última imagem da frase, onde a fluidez se transforma em vida.
E essa agilidade passa pela simplicidade do ser e do saber e não por construções muito elaboradas no palco da vida, ou  cenários dissimulados que giram em várias direcções, segundo a afinidade dos espectadores. Esta pode ser  uma tentativa de cativar pela habilidade, mas o esforço assim, será  inglório e teremos seca pela certa. 
 Pior, o deserto mais cedo ou mais tarde, manifestar-se-à, estender-se-à em todas as direcções e no delírio sequioso, desconstruíremos involuntariamente a nossa preciosa criação . Um dia cai a máscara e fica irremediavelmente o Ser, mas enquanto isso, ninguém é verdade.
Apenas sentimos, desejamos e vamos amando...?
Amamos à nossa medida, secamos à nossa medida, no desamor das ondas do nosso mar  mas utilizamos habilmente o megafone na praça pública, na súplica da chuva.


maria

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Foi Bom!

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http://www.youtube.com/watch?v=Ki9xcDs9jRk&feature=related


Eu , o Leonard Cohen e a Ditinha, estivemos juntos.
Mas não fomos só nós, esteve também a paixão que temos pela música, a deliciosa cumplicidade naquilo que a vida tem de melhor, o riso de nós, que em tantos momentos do dia soltámos, a forma airosa como deixámos entrar esses momentos na reunião, a graciosidade que julgavamos ter perdido e a leviandade de nos sentirmos rejuvenescer...
E o Cohen, pobre Cohen, nem deu por nada, porque nós crisálidas, rompemos a casca e transformámo-nos em borboletas muito antes de ver o plateau. E fomos assim durante três horas e tal, nós e ele e ele e nós, numa assunção de sons a exorcizar...
Foi bom.


maria

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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

DITINHA



A Ditinha é uma amiga do peito que o tempo foi fazendo crescer no meu coração e que tem a ventura de poder sempre ver o sol e a lua de esconde-esconde, sobre o mar.
Fui visitá-la. E pasme-se, porque em dois dias energizei!!
( entenda-se revigorei, fortaleci, para não confundir com as teorias holisticas, agora tão em moda, que nos ensinam a ficar zen com um simples olhar ou coisa que lhe valha).
Sabem aqueles momentos da nossa vida, que não são bons nem maus, antes pelo contrário?
Pois estava eu assim, nesse estado de letargia, entre o esforço contínuo do meu lado direito do cérebro, que graciosamente cria e recria a bom passo, o prazer de estar vivo, e a atonia da vida, que não gira um só grau na sua órbita real, quando a Ditinha me fez o convite.
E aqui, eu podia já dizer, que fui ao Paraíso e voltei, e é claro que ninguém iria acreditar. Mas é-me igual, porque eu gosto de hipérboles, quando elas são tão reais nas minhas sensações, que o relato se torna indizível.
Quem me conhece, sabe do fascínio que tenho por relógios de pulso ou de parede como adorno, mas detesto aquela função de controle que faz de nós bichinhos de hábitos criados por ponteiros que giram rotineiramente entre o 1 e o 12.
Entre alguns relógios que são verdadeiras obras de arte, a minha amiga tem um, que seria simplesmente vulgar, não fora o tamanho, aparentado com o da torre de S. Tiago, da minha terra. Impossível não reparar.
E aconteceu.
Sei que a minha amiga também usa e abusa desses adornos, desconhecia contudo, que ela utiliza o mesmo truque que eu, para os desfuncionar.
Paramos os ponteiros do relógio ! Melhor ainda, fazemo-los desaparecer...
Isto pode parecer um lugar comum, tendo em conta o efeito castrador obtido e o gozo excessivo que este simples gesto lhe possa adicionar, mas é diverso.
Regressada agora, sei que os passes de magia activados, foram efémeros naquele objecto e revivo cada momento, no tic-tac prazenteiro que então calei.
Este "rewind" gostoso, conta agora, sem números, as horas divertidas noite fora no arraial, o bate-bate das ondas nos nossos corpos dourados pelo sol, completamente esquecidos nas conversas que o tempo fora arrumando nas prateleiras, as nuvens batidas em castelo, forjadas sobre nós, espraiadas na areia quente dos nossos segredos, a lua roubada a metade, tão cálida noite dentro, que nem ousava bocejar as nossas cumplicidades...
E a Ditinha é tudo isto... e ainda o deslumbre da imensidão daquele mar tranquilo a perder-se no horizonte, a flor de hibisco canário arraiada a fogo, que manhã cedo, no orvalho, se abria em cálice a saudar-nos, o cheiro do alecrim florido de azul, a relva fresca, que acariciava e nos humedecia os pés descalços, nas manhãs lindas da sua generosidade.
A minha amiga é esta bênção que eu tanto prezo e me faz bem.


maria



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