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Hoje fui chamada ao Centro de Emprego da minha área de residência para uma reunião rotineira.
É a minha primeira vez como solicitada e estou numa sala de espera apinhada de gente e garanto-vos que é uma sensação muito muito estranha.
Aqui, deixamos de ser o fulano A ou B e passamos a ser o colectivo, tudo com o mesmo sêlo na testa.
De costas para o interior, é oportuno sentar-me virada para a porta, ou seja para a plateia. As pessoas que estão sentadas à minha frente, todas viradas para mim, têm rostos diferentes das que vejo lá fora, através da parede de vidro que se me expõe.O jornal gratuito e os telemóveis fazem parte do jogo de espera, mas os sentidos concentram-se no marcador de senhas ou no vigilante que atrás de mim solta os passos e a voz grave, tentando advertir os mais distraídos à chamada, meros números.
Olho em frente e os pareceres têm todos o mesmo semblante soturno, quase anémico, cabeças de gesso que apenas movem os olhos e arqueiam o sobrolho quando tocam outro olhar.
Há uma ala do meu lado esquerdo que fala muito e fala de tudo, até das cadeiras que não têm para ficarem ao nível dos outros; são muito agitados, passam à frente,voltam atrás, e empurram, pedem desculpa ou então não, barafustam, discutem, encontram amigos, soltam exclamações agudas... não paralisam o rosto.
Mas eu prefiro observar os solitários como eu, sentados à minha frente, como condenados, rendidos à injustiça dos tempos, na espera sôfrega de um prato de papas.
Baixo os olhos para escrever, este é o meu rende tempo, e depois volto a olhá-los. Podia perfeitamente fechar os olhos e continuar a descrevê-los, eles são uma extensão de mim. De vez em quando há um pescoço que se ajeita e se estica, e uns olhos que se esforçam para um ângulo mais elevado da sala. Reparo então que há um televisor na função "mute" do meu lado direito , cuja imagem não consigo ver.
Alinhadas em filas paralelas, posso saltitar de cabeça em cabeça, de rosto em rosto e nem um só sorriso. Une-as o silêncio que lhes vai na alma e partilham todas a mesma cruz, provavelmente a mesma dor.
Afigura-se-me uma outra imagem, tão minha como esta aqui, e penso que se esta fosse uma sala de espera de um hospital, na melhor das hipóteses, teria uma cena semelhante: os mesmos olhos tristes e doídos, o mesmo desespero no peito, a mesma impotência, a mesma passividade, o mesmo sentimento de injustiça que paralisa os músculos, a mesma entrega a alguém, sabe-se lá a quem, que é juiz e conselheiro da nossa conduta, do nosso infortúnio, da nossa falta de liberdade...
Volto a esta realidade e asseguro-vos que não fui a única a ausentar-me, os mundos destas pessoas cruzam-se aqui em olhares vagos e distantes que a pouco e pouco se reaproximam deste lugar em pestanejos suspirados.
maria
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