E o Natal para mim vem assim! Num abrir e fechar de olhos eu estou lá, com os meus irmãos, a viver intensamente toda aquela magia que nos enchia os dias. E era crescente, num esplendor indizível, que transformava as vidas, porque sentíamos à nossa volta uma complacência e uma fraternidade tão abrangentes, que podiam unir o mundo. Não sabíamos do pai natal, mas falavam-nos do nascimento do Menino Jesus e essa era a causa maior.
De história em história e ao longo dos anos, Ele viera de mansinho, de mansinho, ganhando forma nos nossos pequenos corações e o Natal era assim o nosso tão esperado encontro físico. Tão real quanto a nossa imaginação o pudesse conceber, o nascimento do Menino, era visível e palpável e aflorava em nós a sensação máxima de todos os outros sentidos.
A história deste Menino, era fantástica em nós, e doía-nos pelo lado mais triste, a pobreza, a nudez, o frio, a perseguição, os homens maus, ah! os homens maus...e aqui, os nossos olhitos constrangiam-se de comoção e apetecia acarinhá-lo, tanto quanto sabíamos e protegê-lo e amá-lo... não me lembro bem das palavras, mas imagino que as nossas falas tagarelas entontecessem um pouco os ouvidos da nossa Mãe e bem assim a seu tempo, os do nosso Pai.
O nosso presépio era assim, todo este imaginário e representávamo-lo, tal qual se nos afigurava:
A recolha do musgo e a colocação daquelas placas tão grandes e frágeis, um verdadeiro tapete verde e fofo, de aspecto muito aveludado, era tarefa do mano mais velho; e na verdade, exigia alguma prática e muita habilidade. A escolha criteriosa das pedras que configurariam o monte do castelo, o planalto dos rebanhos e o plano, onde verdadeiramente se estenderia toda a nossa história, eram primeiramente arquitectados na cabeça dele. E a nossa ansiedade crescia ao seu redor, de mãos quedas por imposição, mas a traquinice sempre a fervilhar em nós.
A tarde alongava-se no escuro daqueles dias frios de inverno, a operação era morosa, mas coisa pouco habitual em nós, nesse dia sobrava a paciência de ver construir as cataratas de água prateada, descendo pelo monte, as rodelas metalizadas das latas do toddy, que cobríamos com gotículas de água, na mais fiel representação dos lagos, o rio de prata ondulada que passava por baixo da ponte romana, a fonte onde supostamente deveríamos colocar a menina dos cantarinhos... e aqui a nossa ajuda começava já a ser preciosa, as nossas mãozitas singelas desembrulhavam cuidadosamente, na mais curiosa descoberta, peça a peça, cada figurinha.
Todas elas tinham vida própria, não era preciso refinarmos muito a nossa imaginação conhecíamo-las, sabíamos o lugar delas. Sabíamos do "coreto" da nossa aldeia, por isso os músicos, vestidos a rigor, de um azul quase celeste, agrupavam-se ali, num pequeno largo à beira da estrada, onde podiam exibir os seus dotes de sopro. Pelas veredas tortuosas de areia, ou serradura, caminhavam figuras singulares, com cabazes de oferendas à cabeça ou galinhas debaixo dos braços ou ainda potes de mel ; pastores de braços erguidos, seguravam firmes, cordeiros enrolados ao pescoço como cachecóis que aquecem.
O caminho mais largo, seguia a estrela a direito, e nele podíamos ver em fila indiana, as majestades montadas em camelos elegantes, ornamentados com as cores quentes e douradas dos mantos reais.
As ovelhinhas, muito gostávamos nós daqueles novelinhos brancos, talvez porque nos era permitido colocá-los, com a nossa própria mão, em qualquer sítio daquele tapete verdejante, a nosso belo prazer...e era fantástico, tanto mais que o bardo do rebanho colocado no planalto, ficava entreaberto, a justificar todas estas ovelhas tresmalhadas; o nosso entendimento de criança, percebia a nossa prestação e dialogávamos posições, combinávamos trocas e à noite a nossa Mãe sabia de certeza a importância dos nossos feitos...
A mim pessoalmente, entediava-me um pouco, aquele castelo cinzento no alto do monte e não percebia mesmo, o entusiasmo dos meus irmãos ao estudarem estratégicamente a posição dos três soldadinhos de chumbo, naquele lugar sombrio, talvez o mais sombrio de toda a construção.
Descia depois por um vale ao longo do rio, um casario muito alvo, de casas robustas, erguidas em série e aqui também podíamos esticar os nossos braços muito pequenos e em bicos de pés, para melhor chegar, colocarmos cuidadosamente, uma a uma, as mimosas casinhas.
A nossa aldeia era linda. retratava na perfeição toda a nossa vivência, mas o nosso conto de Natal, o nosso verdadeiro Presépio, estava naquele casebre , feito de troncos velhos envoltos em neve, de janelas abertas ao vento cobertas generosamente com celofane verde amarelo ou vermelho, com luzinhas que iluminavam o interior para se ver bem toda a história.
Tudo como nos tinham lido e contado: a manjedoura, o Menino nas palhinhas aquecido pelos animais, Maria, José e a estrela que brilhava no alto. E não nos cansávamos de olhar o Menino e apetecia pôr mais palha sobre aquelas perninhas nuas, para o aquecer, e chegar para mais perto, a vaca e o burro para o bafejarem...O Menino Jesus era o nosso encanto, ali não havia homens maus, (nem meninos maus) e nós esperávamos pacientemente, dia após dia, a noite de Natal para o ver descer!
maria
Sem comentários:
Enviar um comentário