sábado, 23 de janeiro de 2010

ENQUANTO...


[ No meu 11º ano, o professor de filosofia pediu aos alunos que escrevessem uma frase que melhor definisse a palavra "morte". A resposta considerada mais básica e mais redutora, foi a de um colega que escreveu: "Morte é um buraco tamanho que nos engole, depois de engolir os nossos entes mais queridos.]
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O funeral do meu irmão trouxe-me à casa de meus pais, na Covilhã, onde já estou há sensivelmente 20 dias.
Esquecida da prática dos meus rituais diários, vagueio um pouco no tempo, longe de mim, como se outra eu fosse.
O meu espaço, são estas paredes cruzadas ao longo de um enorme corredor, que sai mundo fora por uma varanda sobranceira à cidade.
Já vi beleza neste lugar. Já enchi meus olhos de luares serenos e pérolas cintilantes que se perdiam lá longe na linha ténue do horizonte. E madruguei auroras lívidas de sono, num despertar magnífico de fogo e de luz, que emergiam das sombras para se fazerem dia!
Hoje nem sei. Encolho os ombros num gesto de indiferença ao que provavelmente continua a ser belo.
Os dias seguem-se iguais num rosário de afazeres que nos passam pela ponta dos dedos, completamente desvirtuados de vontades.
É Janeiro lá fora e Inverno dentro de mim. A diferença é nenhuma. A tacanhez que se me inflige é a somatização disso mesmo; Geada que tolhe os sentidos.
Espera-se inerte que o telefone toque, para saber dos que estão longe. Suspendem-se amores sofridos, para mais tarde. Aceita-se a dolência em jeito de afago como terapia de colo, a superar...
Curioso que nada tem hora, neste "deixar andar as coisas", mas aflora às vezes, a urgência de ver o tempo passar depressa, como quem está em esforço ou projecta a fuga...
Esta intermitência entre o torpor das vontades e a consciência disso mesmo, é por si só fleumática, consciente ou não, é quase uma exigência da alma na sua fluidez mais genuina.
E este mal estar individual, tão nosso, quanto o deixarmos apropriar, pela força da melancolia da perda, ou pelo arrastar dos suspiros que teimam em ficar, é sem dúvida o grande buraco que nos engole.





maria
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