
Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas
O resto é a sombra
De árvores alheias
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios
Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses
Vê de longe a vida
Nunca a interrogues
Ela nada pode dizer-te
A resposta
Está além dos deuses
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Ricardo Reis
*************************************************
Lisboa,13 Janeiro 1935
...A origem dos meus heterónimos, é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais própriamente, um histero-neurastênico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia, que a histeria, própriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos, está na minha tendência mental, está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos - felizmente para mim e para outros - mentalizaram-se em mim, quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com os outros, fazem explosão para dentro e vivo-os a sós comigo. Se eu fosse mulher ---na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas - cada poema de Álvaro de Campos (o mais histéricamente histérico de mim de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais, assim, tudo acaba em silêncio e poesia...
Excerto da carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro
**************************************************
Sem comentários:
Enviar um comentário