terça-feira, 14 de setembro de 2010

SEDE


Esta forma compulsória de arrumar os pensamentos em palavras escritas, já me vem de longe e chega a ser uma terapia.
Quando os canais mais óbvios da comunicação se escoam na simples presença do ser impregnada  de fluidos mórbidos e viciados, a nossa vidinha torna-se sensaborona e senescente.

Os meus escritos diários (não tão diários assim), foram folhas soltas de cadernos e sebentas, perdidas nas gavetas dos cacos, que a faxina imposta, resolvia sempre triturar.
Lembro que em tempos improvisei um diário sentimentalão, onde escrevi na primeira folha:
" FICA DECRETADO QUE A MAIOR DOR, FOI E SERÁ SEMPRE O NÃO PODER DAR-SE AMOR A QUEM SE AMA E SABER QUE É A ÁGUA QUE DÁ À PLANTA O MILAGRE DA FLOR" .
Este é o artigo 8º dos Estatutos do Homem, do poeta Thiago de Mello e  há muito, tomei como minha esta afirmação num inquietante inconformismo.
Reescrevo-a hoje aqui, de uma forma mais fleumática, a destemperar essa potestade amorosa que anima o nosso enamoramento e nos torna quase, quase, seres alados de flechas apontadas.
E o problema parece mesmo ser esse, ou a solução como se queira, o alvo das flechas, ou a nossa pontaria!...
Prefiro então a última imagem da frase, onde a fluidez se transforma em vida.
E essa agilidade passa pela simplicidade do ser e do saber e não por construções muito elaboradas no palco da vida, ou  cenários dissimulados que giram em várias direcções, segundo a afinidade dos espectadores. Esta pode ser  uma tentativa de cativar pela habilidade, mas o esforço assim, será  inglório e teremos seca pela certa. 
 Pior, o deserto mais cedo ou mais tarde, manifestar-se-à, estender-se-à em todas as direcções e no delírio sequioso, desconstruíremos involuntariamente a nossa preciosa criação . Um dia cai a máscara e fica irremediavelmente o Ser, mas enquanto isso, ninguém é verdade.
Apenas sentimos, desejamos e vamos amando...?
Amamos à nossa medida, secamos à nossa medida, no desamor das ondas do nosso mar  mas utilizamos habilmente o megafone na praça pública, na súplica da chuva.


maria

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Foi Bom!

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http://www.youtube.com/watch?v=Ki9xcDs9jRk&feature=related


Eu , o Leonard Cohen e a Ditinha, estivemos juntos.
Mas não fomos só nós, esteve também a paixão que temos pela música, a deliciosa cumplicidade naquilo que a vida tem de melhor, o riso de nós, que em tantos momentos do dia soltámos, a forma airosa como deixámos entrar esses momentos na reunião, a graciosidade que julgavamos ter perdido e a leviandade de nos sentirmos rejuvenescer...
E o Cohen, pobre Cohen, nem deu por nada, porque nós crisálidas, rompemos a casca e transformámo-nos em borboletas muito antes de ver o plateau. E fomos assim durante três horas e tal, nós e ele e ele e nós, numa assunção de sons a exorcizar...
Foi bom.


maria

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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

DITINHA



A Ditinha é uma amiga do peito que o tempo foi fazendo crescer no meu coração e que tem a ventura de poder sempre ver o sol e a lua de esconde-esconde, sobre o mar.
Fui visitá-la. E pasme-se, porque em dois dias energizei!!
( entenda-se revigorei, fortaleci, para não confundir com as teorias holisticas, agora tão em moda, que nos ensinam a ficar zen com um simples olhar ou coisa que lhe valha).
Sabem aqueles momentos da nossa vida, que não são bons nem maus, antes pelo contrário?
Pois estava eu assim, nesse estado de letargia, entre o esforço contínuo do meu lado direito do cérebro, que graciosamente cria e recria a bom passo, o prazer de estar vivo, e a atonia da vida, que não gira um só grau na sua órbita real, quando a Ditinha me fez o convite.
E aqui, eu podia já dizer, que fui ao Paraíso e voltei, e é claro que ninguém iria acreditar. Mas é-me igual, porque eu gosto de hipérboles, quando elas são tão reais nas minhas sensações, que o relato se torna indizível.
Quem me conhece, sabe do fascínio que tenho por relógios de pulso ou de parede como adorno, mas detesto aquela função de controle que faz de nós bichinhos de hábitos criados por ponteiros que giram rotineiramente entre o 1 e o 12.
Entre alguns relógios que são verdadeiras obras de arte, a minha amiga tem um, que seria simplesmente vulgar, não fora o tamanho, aparentado com o da torre de S. Tiago, da minha terra. Impossível não reparar.
E aconteceu.
Sei que a minha amiga também usa e abusa desses adornos, desconhecia contudo, que ela utiliza o mesmo truque que eu, para os desfuncionar.
Paramos os ponteiros do relógio ! Melhor ainda, fazemo-los desaparecer...
Isto pode parecer um lugar comum, tendo em conta o efeito castrador obtido e o gozo excessivo que este simples gesto lhe possa adicionar, mas é diverso.
Regressada agora, sei que os passes de magia activados, foram efémeros naquele objecto e revivo cada momento, no tic-tac prazenteiro que então calei.
Este "rewind" gostoso, conta agora, sem números, as horas divertidas noite fora no arraial, o bate-bate das ondas nos nossos corpos dourados pelo sol, completamente esquecidos nas conversas que o tempo fora arrumando nas prateleiras, as nuvens batidas em castelo, forjadas sobre nós, espraiadas na areia quente dos nossos segredos, a lua roubada a metade, tão cálida noite dentro, que nem ousava bocejar as nossas cumplicidades...
E a Ditinha é tudo isto... e ainda o deslumbre da imensidão daquele mar tranquilo a perder-se no horizonte, a flor de hibisco canário arraiada a fogo, que manhã cedo, no orvalho, se abria em cálice a saudar-nos, o cheiro do alecrim florido de azul, a relva fresca, que acariciava e nos humedecia os pés descalços, nas manhãs lindas da sua generosidade.
A minha amiga é esta bênção que eu tanto prezo e me faz bem.


maria



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domingo, 25 de julho de 2010

Portanto se alguém está em Cristo, é nova criação...

Se eu quisesse construir uma fórmula mágica para a Felicidade, eu faria parar o mundo numa manhã de domingo, como a de hoje.
O ser humano é tão sedento de Amor, que vive num constante esforço de procuras pessoais numa universalidade extremamente complexa, por crer na sua intangibilidade.
E na verdade nós somos esse grande tesouro. Cada um de nós é a personificação desse novo mandamento que Jesus trouxe à terra:
" Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e ao teu próximo como a ti mesmo". Esta é a nossa essência.
Mas perdemo-la nos caminhos tortuosos da vida, feitos mágoa, por nos afastarmos desta identificação com a própria vida de Jesus. Esquecemo-nos que o amor de Deus é incondicional ( mesmo na dor) e desacreditamos completamente no amor fraternal, quando reinventamos uma forma de vida ajustada às nossas vontades mais primárias, autoproclamando os nossos direitos egocêntricos de cidadão universal.
Construímos a insatisfação e alimentamo-la em vez de a banirmos das nossas vidas.
Se fecharmos os olhos um pouquinho e no silêncio pudermos ouvir o que o nosso coração nos pede, ouviremos tão somente a palavra Amor. E baralham-se-nos os sentidos por termos já experimentado tantos amores e não estarmos saciados. Porque não há volta a dar... nós fomos feitos à imagem e semelhança de Deus e é com Ele que temos de caminhar.
A escolha não é fácil, é uma tomada de decisão muito solitária, que mexe com toda a nossa envolvência e nos expõe. Mas tem uma coisa maravilhosa! tira-nos daquele estado de afasia, onde o entendimento atrapalha a linguagem a justificar-nos, porque o Espírito age por nós manifestando-se.
E cada passo, mesmo o mais pequeno que dermos na Sua direcção, é como uma barrela que fazemos à nossa alma. E este branquear, esta lavagem de espírito é um renascer contínuo para a caminhada eterna.



maria

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sábado, 24 de julho de 2010

O MEU PRÍNCIPE ENCANTADO !

Ah! como eram doces as tardes de Agosto da minha meninice.
Quando a morna sesta da tarde, tirava de mim os olhos, já meus passos iam longe, por entre as flores silvestres, nos carreiros de urze e ainda rosmanos, um pé à frente e outro atrás e o coração leve como um pássaro longe da gaiola.
Que me chamassem ou me saudassem, eu nem os ouviria !
Equilibrava-me nos pequenos muros , caminhando sobre eles como vagão sobre carris. Assim ficava mais fácil ao teu olhar, pensava.
Tu eras o meu norte. Caminhava para ti como quem é muito esperada e às vezes a sorte dava-me a mão. Mas outras, tantas, o sol abrasava o meu rosto até à compaixão e tu não vinhas...
Sentava-me então junto ao ribeiro e sonhava-te...poderia dizer-te, quantas borboletas brancas te anunciaram, quantos pintassilgos alegres ali vieram beber, quantas margaridas singelas desfolhei por ti... mas a tarde corria naquelas águas límpidas de antão e levava os meus quereres.
Desesperava-me, lá longe, o som do campanário por tu tardares, mas o desejo de te ver arrastava as horas até ao meu limite. Não raro, a brisa calma do entardecer chegava bem antes de ti e esmurecia o meu fulgor. A sesta durava até às Trindades e era tempo de eu voltar...
Dizias às vezes por graça:
" - Vai, antes que te transformes em abóbora!"
E os dois ríamos felizes, numa obediência inquestionável e gratuita.


maria


imagem: ( reprodução ) Psique entrando no jardim de Cupido-John W. Watherhouse


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terça-feira, 6 de julho de 2010

R A B I S C O S





Tens razão,


Tu és o Poeta e o poema


As mãos vazias nos bolsos do bibe


O Não solto na primavera de 68


O quadro de honra do dever cumprido


A cor da verdade que te fez Gente.


Eu sou apenas a Palavra,


Que se esgueira pela ramagem


Depois dos frutos maduros


Nada mais, que a palavra fugaz


Que ri, que chora, que se afoita


E que finge...




maria


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domingo, 27 de junho de 2010

A NOSSA TITI


- Titi, conte o conto das calcinhas vermelhas...
- Está bem. Mas queres que to conte ou que to diga???
- Que mo diga...
- Então? mas... queres que to diga... ou que to... conte???
E os olhos iam-se- lhe fechando de cansaço, num abandono tão profuso de si mesma, que rapidamente caía num sono solto. Retirava então as minhas pequenas mãos de dentro dos lençóis, e abanava-lhe violentamente os ombros.
- Titi!! Está a dormir...
- Na aõ oo... e arrastava a voz, entreabrindo os olhos num esforço tremendo para continuar a história.
- Vá... diz lá. Queres que to diga... ou que to conte???
- Que mo conte, já disse...
E o conto era assim cadenciado, entre a minha energia que dificilmente abrandava com o cair da noite e a sua fadiga, acumulada na dureza dos dias, naturalmente exposta e pronta a ser aliviada no seu ritmo mais merecido.
Creio mesmo que nunca concluímos esta história, porque apenas me recordo do começo. Era uma vez...
E até onde vai a minha lembrança, perderam-se as palavras que poderiam ter sido ditas. Ficaram por escrever, histórias intensas de vidas simples, fadadas na memória dos tempos que se puderam viver.
E o resto... o que me apetece dizer e não digo, porque não sei... murmuro a Deus numa prece: - Que hoje, no seu 80º aniversário, a sua luz celestial brilhe um pouquinho no coração de cada um de nós, para matarmos saudades.


maria


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terça-feira, 22 de junho de 2010

Verdadeiros Amigos


Às vezes é no canto da vida que encontramos os amigos.
Cada um de nós é uma história. E a "nossa" história começa, onde algo da minha vida esmurece.
Talvez o Amor, talvez a Esperança... É difícil saber o que se apaga em nós, quando o ânimo se esvai e a solitude se apropria.
A dor é um mal estar tão nosso que nos exclui, melhor, leva-nos a excluir o amor dos outros e sobretudo o amor de Deus, por nos julgarmos injustiçados.
E entre os momentos que vacilei e os momentos que desanimei, Deus encontrou uma fresta para me consolar e franqueou-me as portas da família Barata.
É bom conhecer amigos. É bom ouvir a Palavra de Deus. Mas a mistura não foi homogénea.
Moí e remoí a clarificação da Palavra. Os meus cinco sentidos passaram tudo a pente fino e levaram para casa as ideias, os comportamentos, os propósitos e os meus silêncios, que marcavam as diferenças. Vou ter de peneirar, pensava.
Mas o meu coração cingia-se de uma luz tão própria e consoladora, que dispensava essas minúcias.
Uma e outra vez, eu voltava, solícita, sequiosa, penso que pode até, ser esta a palavra , mas não sei bem de quê...
A Palavra de Deus eu já conhecia e ela não muda.
Há procuras em nós que são veredas de Deus. E os zigue-zagues da vida, são cansaços que Deus espreita para nos fazer crescer.
Descobri que o que animava esta minha disponibilidade, era, nada mais nada menos, que a saborosa partilha. Não a partilha comum, já experimentada noutros lugares e noutros tons, mas a partilha da autenticidade.
Aprendi com esta família a humildade do Ser, à maneira de Jesus.
Aquilo que mais falta lhes faz, é isso mesmo que eles partilham. Aquilo que os outros dizem não possuir, é isso mesmo que eles oferecem. Aquilo que arbitráriamente nos serve de escusa, é flexibilidade para eles. Estou a falar do "tempo", essa dimensão da vida, que a muitos tortura e a outros escapa, mas é BÊNÇÃO PRECIOSA PARA QUEM SABE AMAR NO AMOR DE CRISTO.
"...É o tempo que dispensamos aos outros que fazem deles importantes."
Segundo Rick Warren, "o tempo é a nossa dádiva mais importante, pois só recebemos uma quantidade fixa dele... O nosso tempo é a nossa vida. É por isso que o maior presente que podemos dar a alguém é o nosso tempo."
E é nesta latitude que Belas Vida alarga os seus horizontes.
"O tempo" abrange as necessidades de cada um e o esforço e a presença desta família vai mais além, porque os horizontes são celestiais e as promessas de Deus a serem cumpridas, estabelecem pontes de relacionamentos por onde Deus Pai se faz passear e se manifesta.
Para eles vai a minha admiração, o reconhecimento da importância das suas vidas para Deus e para nós, enquanto amantes de Deus. Mas vai sobretudo o Meu muito Obrigada por toda a minha transformação interior.
A vida acontece e com ela a surpresa de ver crescer " uma família" liberta para o amor, onde a abnegação é apanágio e tem um nome: JESUS.



(Despedida da Família Barata)

maria

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domingo, 13 de junho de 2010

SEGUE O TEU DESTINO


Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas
O resto é a sombra
De árvores alheias


A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios


Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses


Vê de longe a vida
Nunca a interrogues
Ela nada pode dizer-te
A resposta
Está além dos deuses



Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.



Ricardo Reis








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Lisboa,13 Janeiro 1935






...A origem dos meus heterónimos, é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais própriamente, um histero-neurastênico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia, que a histeria, própriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos, está na minha tendência mental, está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos - felizmente para mim e para outros - mentalizaram-se em mim, quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com os outros, fazem explosão para dentro e vivo-os a sós comigo. Se eu fosse mulher ---na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas - cada poema de Álvaro de Campos (o mais histéricamente histérico de mim de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais, assim, tudo acaba em silêncio e poesia...





Excerto da carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro
















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sexta-feira, 11 de junho de 2010

HISTÓRIA

O que mais me enfada nas viagens que faço de taxi, são os
silêncios alongados e perturbadores que me desajeitam os
movimentos e os tornam completamente descoordenados,
a fim de que se ouça qualquer som. Pode ser a minha mala
a abrir e a fechar, a agenda que tiro e retiro, o kleenex que
finge que limpa, enfim, qualquer coisa serve.
Mas nem sempre existe a necessidade de improvisar esta
mímica, há taxistas que são exímios acolhedores.
Tal foi o caso do Sr Manuel, há dias, no percurso Rossio-Oriente.
A propósito de horários e de comboios, a conversa foi parar
à Serra da Estrela e soubemos que éramos vizinhos, das
Beiras. Ele Beira Alta e eu, Beira Baixa.
Surgiu-lhe então a brilhante e inevitável pergunta:
-Sabe quem foi Viriato???
Claro que eu sabia muito bem quem tinha sido Viriato, conhecia-o desde a minha 4ª classe e respondi de imediato que sim.
Muito ao jeito da D. Antónia,( a minha professora da instrução primária) o Sr Manuel, não satisfeito, perguntou de novo:
-Então diga lá quem foi???
Senti o mesmo brio de quando tinha 9 anos e sabia a História de Portugal na ponta da língua.
E depois, Viriato tinha sido o chefe dos Lusitanos, que nascera nos Montes Hermínios, era o nosso herói das Beiras, quem não saberia?
Crescia-lhe algum orgulho no tom como ia fazendo as perguntas e eu soltava as respostas, mas fazia-o como se houvesse uma gradação para a dificuldade.
-E então onde é que nasceu Viriato??? perguntou muito sério, olhando-me pelo retrovisor.
Eu achei que já lhe havia respondido, mas, memórias relembradas, retomei o discurso histórico.
Viriato nasceu no ano 180 a C nos Montes Hermínios, Serra da Estrela, Beira Baixa, era meu conterrâneo, lutou contra os Romanos, foi morto à traição por 3 dos seus homens, que se venderam ao general Romano, etc, etc... contei a história toda que sabia e ainda lhe falei de Sertório, outro chefe Lusitano notável, que o seguiu nas lutas contra os Romanos...
Mas o Sr Manuel contrapôs:
- Nã-nã-nã-nã, Viriato era da minha terra, Viseu. Não conhece o monumento a Viriato???
Há quarenta e tal anos que eu conhecia Viriato, nunca tal ouvira dizer...Sempre fora boa aluna a História, no meu 12º ano continuava a tirar 19 nos testes e este taxista, viseense de raça, não só me estava a tirar os créditos, como me estava a fazer perder referências adquiridas, porque eu sempre pensei ou sonhei, sei lá...que Viriato era da Cova da Beira, porque não?
De Viseu só conhecia o Museu Grão Vasco e já era muito importante.
O Sr Manuel quis então contar das querelas que havia entre localidades vizinhas para se apropriarem da naturalidade do famoso pastor e guerreiro Lusitano, mas o terminus da viagem roubou-lhe o final heróico da história.
O curioso desta viagem, é que ao contrário de todas as outras que tenho feito, esta não acabou aqui. Criou em mim um tal desassossego, que me obrigou a vasculhar tudo quanto falasse dos primórdios de Portugal, ( Lusitânia ) para tentar perceber onde teria nascido o dito chefe guerreiro.
E desde a Cova da Beira que por brincadeira alvitrei, Castelo Branco, Alvega, Cabanas de Viseu, Viseu e Loriga que o reclama a pés firmes, Espanha Zamora, onde existe uma praça e uma estátua em seu nome, tudo são probabilidades. Ao certo ao certo, Sr Manuel, ninguém sabe.
Mas gabo-lhe esse seu olhar patriótico que lhe permite enaltecer a sua terra de origem e continue a dar lições de História de Portugal, sobretudo aos Lisboetas, porque eu não acredito que eles saibam quem foi o nosso ilustre conterrâneo.


maria

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domingo, 6 de junho de 2010

JOANA




Sabes Joana,
A morte não é preta nem é branca. A morte é da cor da nossa alma. Pode ser azul ou rosa, como essa flor que apertas contra o peito e teimas em guardar!
Pode não ter cor, como essas lágrimas que te molham o colo e te turvam o olhar. Mas, pode também, ser a cor de todas as cores, aquela que ainda não vemos, mas que é luz de fim de túnel e morada de todos nós.
Quando eu era criança, havia lá em casa, uma foto a preto e branco, com uma urna muito pequena, toda branca, em posição inclinada para se ver o interior. Talvez desejassem passar rápido aquela folha do álbum, mas para mim, era paragem obrigatória e pergunta com resposta. O meu Pai costumava responder que era um anjinho que tinha ido para o céu. Aquela era a morte que eu conhecia: Branquinha, vestida de anjo subido ao céu. E assim foi, durante muitos anos; Não que ela sorrateiramente e de uma forma" cruel" não nos fosse visitando, mas porque a nós, crianças, nos protegiam do lado mais acutilante dessas brutais separações.
Mais tarde, penso que de uma forma perfeitamente natural, com a maternidade, apreendi o lado absurdo da dicotomia vida/morte e recreei em mim o arrepiante espectro da morte. Digo recreei, porque embora num formato inconsciente, ele esteve presente em toda a minha adolescência, com medos e sustos de guerra que não eram verdadeiramente meus.
A morte não era entendimento, era medo e tinha essa mesma cor.
Hoje , Joana, tal como tu, tenho medo. Continuo a ter medo, mas posso relativizá-lo, porque deixou de ser absurdo. Vejo a real dicotomia da vida, Nascer/Morrer e percebo que há um propósito neste percurso, que pode eventualmente ser muito curto, ou não, mas que será sempre cumprido. Cabe a cada um de nós a responsabilidade de o aceitar e cumprir o melhor possível. E é nesta clarividência que se esvai o medo e permanece a luz.


maria



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quarta-feira, 2 de junho de 2010

EU



Estou em estado de graça.
Há muito que não sentia esta sensação de liberdade.
Parece que desliguei da ficha e não há mais nada, a não ser EU.
Há pouco mesmo, pensei no meu coração, parei até, para o ouvir. Nenhum sobressalto.
Cuidei que o pensamento se armasse em guerreiro e fosse desenfreado içar bandeiras de alerta, a desprazer, mas nem isso.
Reconheço esta paz de outros lugares, tão longínquos, sem tempo, que não lhe posso chamar minha. Mas sabe-me bem. É bom rever este EU. Pensei que o tinha perdido nas preocupações e nos medos da vida. Pensei que o tinha prendido a outro e a outros que agora sou eu, a vivificar.
Limito muito o meu circulo de prazer. Mais um pouco e é a vontade de me saber. Mais um pouco e é a rotina do ser...
Sustenho-me.
Por força das circunstâncias, obrigo-me a desligar o telemóvel. Os deuses estão por mim.
A Lua, gorda de luz , enfeitiça a noite e faz-me ébria de encantamentos. Alargo o meu circulo de prazer sem qualquer risco de o perder.
Nós somos muito mais do que nos sabem. Viajamos em nós, desacorrentados do bem ou do mal, conforme nossa vontade e entrega, se assim nos aprouver. E não haverá quem nos impeça...
Esta é a minha noite uterina, há tanto esquecida.

maria





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segunda-feira, 17 de maio de 2010

NÃO ME PERGUNTEM


Não me perguntem se dói
olhar teus olhos assim, vazios de luz e de amor
nos cantos sombrios da vida.

Não me perguntem se dói
saber teus passos perdidos, atrás do nada querido
qu' ora anima o teu andar.

Não me perguntem se dói
sentir distância de ti, no beijo que me rouba
a paz de te querer.

Não me perguntem se dói
abrir regaço d'amores, no simulado breu
de tão fugente verdade.

Porque eu não quero dizer, a dor que é
saber-te, a ti, meu bem querer
na solidão deste sofrer...

maria





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domingo, 11 de abril de 2010

NINGUÈM ME VENHA DAR VIDA ...

Ninguém me venha dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer
que não tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferida,
que não me quero curar,
que estou deixando de ser
e não me quero encontrar
que estou dentro de um navio,
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim,
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.

Corações, porque chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.

Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que só quis a quem não quis.


Cecília Meireles





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sexta-feira, 2 de abril de 2010

SAUDADE

Eu não sei se é saudade , este aperto que me agonia.
Penso em ti, porque te gosto, e sinto dor de te pensar.
Estremeço a tua ausência e não a quero acreditar.
Fecho os olhos, para não ver, mas a dor não alivia.
Busco amores qu'então me deste, ficas minha companhia.
Abro os olhos, quero ver-te, cega presto o meu olhar.
Já não sei se me aquiete e afrouxe o meu cuidar,
ou se alongue a minha dor, do calvário à ironia
de saber que vou morrendo, amiude, devagar,
num sonho meu de ternura, como gosto de lhe chamar...


Saudades do meu irmão Rui

maria




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domingo, 28 de março de 2010

BERTOLD BRECHT 1898---1956



Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro.




Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.




Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável.




Depois agarraram uns desempregados
Mas como eu tenho meu emprego
Também não me importei.




Agora estão-me levando
Mas já é tarde
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.







Bertold Brecht
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terça-feira, 23 de março de 2010

DIFERENTE



Como um passageiro que olha absorto a janela do trem, Ela vê a vida passar por Ela.
Perdida talvez, no mundo dos outros, viajante sem tempo e sem nome, Ela é jóia perfeita em cofre real.
Veste-se de alento, mal o sol acorda e é vê-la sem rumo, no trilho da faina.
Caminha anseios, de olhar para dentro, de passos pensados e pêndulos nas mãos.
Às vezes, solta-se-lhe o brio, no meio do nada, desperta momentos e vira fênix.
Descansa tarefas no banco do jardim, simula acção e recria imagens no espelho do tempo que a cativou.
E a solitude que basta a esta forma de vida, toca-nos pela diferença mas faz-nos pensar que as fontes que o caminhante encontra no seu caminho, são verdadeiros achados de cumplicidade entre o divino e a pureza do ser.


maria

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sexta-feira, 19 de março de 2010

DIS PAPA !!!

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...
Dis Papa, c'est quoi la mort?

Une erreur, une maison, dans laquelle on s'endort.
Un songe, un grand oubli.
Un vieux malentendu.
Un chien très fatigué qui oublie sa douleur en se couchant heureux,
près d'un feu un beau soir.

...

Dis Papa, c'est quoi les hommes?

Ce sont des princes, des mendiants et des fous.
Des artistes et des gueux.
Des loups et des agneaux.
De très petites choses fragiles et admirables qu'un rien suffit à vaincre.
Des montagnes éternelles où naissent les ruisseaux.

...

extracto do livro "Le mond sans enfants "
de Philippe Claudel
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segunda-feira, 8 de março de 2010

BOM DIA MULHER!!

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Olá Mulher!

Hoje bem cedinho , deram-nos uma prenda para abrir.

Não se recusam ofertas e é muito bom alguém lembrar-se de nós, por isso, vamos desatar o laçarote e abrir...

Voilá!
8 de Março, o dia de hoje, é a nossa prenda!!!!

Que fazemos com ela?

Não fomos nós, Mulheres, agraciadas com o milagre da reprodução?

Então, mãos à obra. Vamos mostrar que num só dia somos capazes de reproduzir os outros 364.

Vamos olhar para o espelho e agradecer ser Mulher.

Vamos amar, trabalhar, sorrir e talvez até chorar. Nada de mais para um dia...

Mas o nosso dia tem minutos que ninguém sabe. Tem silêncios que ninguém ouve. E é aqui que eu hoje proponho que juntemos as nossas mãos e as levantemos bem alto, em jeito de oração, e entreguemos ao PAI, as dores de todas aquelas mulheres que sofrem o desamor, o desamparo, a perda e a angústia da solidão.

Para elas , com todo o carinho, esses nossos silêncios.


maria

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sábado, 6 de março de 2010

BULLYING............o silêncio dos inocentes

http://www.youtube.com/watch?v=yDzZ4Eucv-0


O bullying não é um fenómeno só de escolas, nem um fenómeno que se possa considerar recente.Trata-se de acções agressivas que envolvem normalmente, uma relação de poder injusta e egoista. A forma mais comum de bullying, acontece efectivamente nas escolas, entre crianças e adolescentes e são normalmente tidos como actos naturais, habitualmente ignorados por adultos, professores, auxiliares de educação e mesmo pais.
Mas o bullying é muito mais do que isto, e eu não entendo, porque é que o Leandro Filipe, de 12 anos, teve de se suicidar, para que os adultos percebessem que ele era vítima de bullying. Ok , o bullying podem ser atitudes agressivas de miúdos, mas são intencionais, repetidas, sem qualquer motivação evidente, normalmente perpetuadas por mais do que um colega, contra uma diferenciação qualquer do outro, neste caso, o Leandro Filipe. Eu não sei, mas podia ser unicamente, por uma caracteristica pessoal, a de não saber reagir a intimidações ou a provocações.
Com o tempo, esta criança, foi certamente sofrendo algum desequilibrio psiquico.
Normalmente manifesta-se das mais variadas formas: stress nervoso, doenças físicas, ar infeliz, dores de cabeça, cansaço, perda de sono, medo, terrores, isolamento, baixo rendimento escolar, rejeição da escola, etc, etc.
Ninguém viu nada disto? Ninguém pôde fazer nada pelo Leandro?
Todos nós desejamos que as escolas onde colocamos os nossos filhos, tenham ambientes seguros, onde as crianças possam aprender e desenvolver ao máximo, todos os seus potenciais, não só intelectuais, mas também sociais. Como é que podemos admitir que os adultos destas instituições, considerem estes actos como banais? Como é que podemos aceitar que as nossas crianças, sejam brutalmente incomodadas, sofram danos físicos e psicológicos, ao ponto de mergulharem num silêncio de morte, com a cumplicidade de educadores?
Alguém adulto, naquela escola de Mirandela, deve estar neste momento a fazer um acto de contrição e a procurar desesperadamente apoio psicológico... Que se calem as crianças que testemunham tais actos, eu entendo. Entendo o medo de represálias e a desigualdade de poderes que se cria num ambiente, onde a agressividade é tida como um comportamento normal e leva à omissão dos factos. Mas esta história está cheia de falhas, na responsabilidade educacional de quem tem essa função, e aqui incluo também a família.
E os bullies?
A escola não sabe que tem bullies, que afirmam o seu poder interpessoal dentro da própria escola?
Sabemos que as crianças ou os jovens, tendem a retratar o seu modelo do mundo exterior, nas escolas, ou seja na interacção com as outras(os), e muitas vezes de uma forma dissimulada. Mas há factos muito concretos, há ambiente de tensão, e isto não pode ser ignorado.
De quem é a responsabilidade da segurança nas escolas?
De quem é a responsabilidade da insatisfação, que o Leandro Filipe tinha pela vida?
Ele teve a infelicidade de ser o receptor passivo, neste circuito de comunicações,onde a indiferença é a resposta à agressividade e à violência. Mesmo quando se trata de crianças.


maria

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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

NINHO VAZIO em dia de aniversário












O sentimento do dever cumprido, a redução, ou a aparente redução das responsabilidades poderiam ser razões suficientes ,na satisfação pessoal ou conjugal, quando os nossos filhos se autonomizam e saem de casa.
Ao invés, e por muito equilibradas que nos julguemos, perdemos completamente o chão. Ficamos desesperadamente inadequadas ao espaço físico e psicológico que sobra.
A perda tem uma dimensão tão gigantesca, que nos transformamos na própria " Inutilidade". Isso mesmo. Parece que se perde toda a razão de viver. Onde fica o meu papel de Mãe? Que faço agora sem essa função? ou mais dramático ainda, quem sou eu se já não sou Mãe?
E o silêncio, a casa vazia, a solidão, a tristeza, cria este jogo aterrador nas nossas mentes. E involuntariamente, nós vamos jogando...
Numa primeira fase , até sabemos que a vida tem estas transformações, que apesar de os filhos estarem longe dos nossos carinhos diários, seremos sempre os pais deles, que devem seguir os sonhos deles, formar a sua identidade fora do núcleo paternal, blá blá blá, blá blá blá... nada que antes não parecesse previsível e até mesmo pacífico.
Mas o vazio adensa-se no nosso subconsciente, e o jogo torna-se perigoso: os quartos são arrumos de ninguém, as camas, são espaços sem dono, as luzes, apagam -se de ausências, os sons que não se ouvem, são tristes desamparos e até os gritos que repreendíamos chegam a ser contrições da nossa alma.
E quer queiramos, quer não, por onde quer que tentemos dispersar a nossa atenção, vagueia sempre, este espectro ambulante e perturbador, da melancolia, da solidão, a chamar por nós. E mais funesto ainda, nós a chamar por ele, porque a simbiose é perfeita. Há um gosto doentio pela saudade, que dá razão ao abandono.
Não se previu o retorno a dois.
Só duas cadeiras ocupadas, é mesa que desaprendeu.
O diálogo perdeu o propósito.
Agora, ficou mais difícil " Olhar juntos na mesma direcção", porque se distanciou o modelo que desenhou no tempo, as paralelas do nosso olhar.
E o funesto sentimento, arrasta-se impiedoso, num obstinado jogo de forças, que o tempo há-de saber parar...







maria

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A FONTE DOS AMORES




As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram
O nome lhe puseram, que inda dura
Dos amores de Inês, que ali passaram
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores

Lusíadas, canto III

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

E as lágrimas de Inês calaram-se; Mas as Ninfas choraram até ao último suspiro de Pedro.
O Mondego abriu os braços à exaustão.
Santa Clara carpiu memórias de amor e de paixão e enlutou-se de dor.
Os encantos de Pedro foram cruelmente arrancados ao seu pecado, e a loucura tomou lugar.
Os doces olhos de Inês, mergulhavam-no ainda, na mais sublime forma do ser, o Amor, mas os momentos de transcendência passional que experimentaram, eram já mágoas de raiva e sede de vingança, que fervilhavam nas veias.
Suspensa a ira nas promessas de amor que jurou cumprir, o infante, pai e viúvo de amores sofridos, espera no tempo a coroação da sua "Rainha".
As gentes condoeram-se de tamanha pena, e sublimaram-na em cumplicidade penitencial, naquele que haveria de ser rei..
A fonte dos amores ainda chorava.
O sangue que Inês derramou no Mondego, corria ainda, leito fora.
O Justiceiro, feito rei, vingou a Morte, reacendeu a Paixão, coroou o Amor, amortalhou-O em Alcobaça, e diz a lenda que o povo veio beijar a mão daquela, que foi a rainha mais amada em Portugal.


maria


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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

TU SABES

Amiga, que fogo tão rubro te tolda a razão.
Acaso esse ardor te crispa o olhar?
Não vês que pulas a cerca da cegueira em vão?
Não sentes o peito dorido e o folgo a cobrar?
De nada te serve pensares tão alto.
Nas ervas daninhas, só crescem penúrias,
folículos sem graça pisados no asfalto.
P'ra quê cingires-te de fúrias,
se a festa elege a rainha!
Firma o teu canto trinado.
Abraça o corpo que se aninha.
E impera no teu reinado!!


maria


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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

"Balises"



Para quem como eu, gosta da língua francesa, a leveza deste poema.
A génese naif.



Je prendrai dans ma main gauche
Une poignée de mer
Et dans la main droite
Une poignée de terre,
Puis je joindrai mes deux mains
Comme pour une prière
Et de cette poignée de boue
Je lancerai dans le ciel
Une planète nouvelle
Vêtue de quatre saisons
Et porvue de gravité
Pour retenir la maison
Que je rêve d'habiter.
Une ville. Un réverbère.
Un lac. Un poisson rouge.
Un arbre et à peine
Un oiseau

...

Gilles Vignaux

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domingo, 14 de fevereiro de 2010

SONHO

Eu tive um sonho que logrou
E se fez rio

Correu, galgou margens, beijou estrelas
E se fez mar

Calmou raízes d'sperança nas verdes águas
E amou

Tocou baladas suaves, contou luas
E gestou

Brincou d'esconde-esconde, quis ser grande
E se forjou

Foi trovão d'alto mar, fúria d'onda em rocha dura
E encabruou

Acordou manhãs brancas d'orvalho a rarear
E corou

Pintou no azul arcos de todas as cores
E bailou

Foi laranja, cor de fogo, pé descalço sobre brasa
E esqueceu

Madurou rebentos sucosos, corais finos a conquistar
E cedeu

Chorou quartos minguantes, machucou barcos de papel
E penou

Foi espuma em cima d'água, alga de fundo de mar
E vigorou

Mirou espelhos d'outono, quebrantou olhares
E aceitou



maria




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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O CHÁ DAS 5


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Aqui na Covilhã, o chá das 5 , continua ainda a ser um hábito burguês, tão apreciado como em Inglaterra.
Aliás, nós portugueses, orgulhamo-nos de ter sido a nossa princesa D. Catarina de Bragança, casada com Carlos II de Inglaterra, que levou este hábito para a corte inglesa.
Reza a história, que a nossa princesa seguiu numa armada para Inglaterra, para se cumprirem os votos matrimoniais, onde chegou a 14 de maio de 1662. Sentindo-se indisposta, dizem até que mal da garganta, logo aprontaram todos os cuidados para a melhorarem, mas a nossa princesinha, pediu humildemente um pouco de CHÁ, e este pedido intrigou os estrangeiros que a serviam por não saberem que bebida seria aquela...tanto mais que a princesa não sabia muito bem falar inglês. E é nesta sequência, que a famosa bebida entra nos hábitos da corte inglesa.
De bons gostos e bons tratos esta princesa, não? e em abono da verdade, com excelente formação a outros níveis, pois a vida na corte inglesa não lhe foi nada facilitada, e ela foi uma grande mulher... ... ...

Pois nestes dias que tenho passado aqui , em casa de meus pais, e fazendo jus, a esta tradição de família, eu e a minha mãe, chegada a hora, " tea time ", honramos o requintado gosto do nosso precioso chá.
Mas ontem, o nosso chá das 5, foi precisamente para 4, pois tivemos a simpática visita de duas primas (minhas), com as quais já não privava há muito.
O cerimonial do "chá", não pôde ser muito alargado, porque anoitece muito cedo e os afazeres de cada um, são relógios sonoros, que batem horas. Mas a tarde foi muito agradável.
A conversa não teve tempo de chegar às memórias mais remotas mas relembrou momentos de meninice irreverentes e ingénuos. Os laços de família eram tão fortes, que teimosamente nos aproximavam no espaço e na cumplicidade e copularam depois em nós, apesar de tantos
entremeios, este sentimento sadio de nos querermos bem.
O chá com bolinhos foi extremamente delicioso e brincalhão, e penso muito honestamente, que tanto eu como a minha mãe, já merecíamos um pouquinho desta boa disposição, timidamente conseguida, em momentos tão pesarosos como os que temos vivido.
Eu pessoalmente, fui buscar os meus bons momentos de solteira, quando em casa de meus pais, convidava as minhas amigas, e como boa anfitriã as presenteava com os meus " dotes " de doceira a acompanhar o tão aromatizado chá GORREANA.
Confesso que o meu casamento me levou um pouco à perda destes prazeres individuais, feitos de hábitos de infância e adolescência, que me fazem sentir bem.
Mas quando o tempo e as circunstâncias nos afastam dos momentos bons que gostamos de viver ou reviver, não é difícil intensificarmos estes desejados flashes que acontecem nas nossas vidas.
E foi o que eu fiz.
O nosso cházinho das 4 foi mesmo muito bom !!!


maria

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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

PORT AU PRINCE


12 janeiro 2010
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Do nada,
do silêncio que se ouve quando a ordem das coisas parece ser vida,
surge o grito.
A terra esventra-se num ímpeto de fúria e de soberba,
e a cidade rasteira-se.
Desmorona-se o baralho de cartas , que habilmente e com a fragilidade que se impõe, se ergueu em pirâmide, sobre o fio da navalha.
E surge o CAOS.
Tanta alma humana esmagada, esfacelada, dilacerada...
Os vivos que se erguem, caminham como loucos, no susto da morte, para nenhures.
Não há razão que se ajeite.
Não há olhos que se fechem à crueldade geo física
27 dias depois, continuam nos nossos ouvidos, os gemidos incessantes de vidas que se esvaem lentamente.
Ficou um lugar sem portas, completamente escancarado à mendicidade alheia, e vimos que o resto do mundo foi pronto em generosidades.
Mas a perda, é dor no âmago. Está onde a atenção humana não chega.
E cá longe, no conforto deste meu canto onde escrevo, ela incomoda tanto quanto eu não queria,
porque esta dor não se cura.
Eu sei que ela mata devagarinho...


maria


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domingo, 7 de fevereiro de 2010

DESASSOSSEGO

Há dias que nada me trazem de ti.
Crescem momentos ébrios de tédio,
futilmente perdidos numa solidão sem dó.
Que dor é essa que te amarga o riso?
Que sede mereces nas margens do rio?
Não ouves teu nome que clamo do alto?
Larga a liteira e trepa a montanha.
Deixa que a brisa te sangre as escaras...
Banha teu corpo nas fontes de orvalho,
e flui...
A noite não deve chegar tão cedo.
Ainda é tempo de exorcizar os medos.
Porque o jogo tem sempre duas faces,
a da sedução e a da condenação.
Vem.
Não esbarres teu rosto em paredes de vidro.



maria

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Morreu Rosa Lobato Faria ... que descanse em paz

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Porque admiro muito a sua escrita e me sinto triste com esta partida, quero postar aqui, em sinal de luto, as palavras sublimes de:



















QUIMERA


Eu quis um violino no telhado

E uma arara exótica no banho.

Eu quis uma toalha de brocado

E um pavão real do meu tamanho.

Eu quis todos os cheiros do pecado

E toda a santidade que não tenho.

Eu quis uma pintura aos pés da cama

Infinita de azul e perspectiva.

Eu quis ouvir as ´Cármina Burana

Na hora da orgia prometida.

Eu quis uma opulência de sultana

E a miséria amarga da mendiga.

Eu quis um vinho feito de medronho

De veneno, de beijos, de suspiros

Eu quis a morte de viver de um sonho

Eu quis a sorte de morrer de um tiro.

Eu quis chorar por ti durante o sono

Eu quis ao acordar fugir contigo.

Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.

Por isso fiquei só, com o meu corpo.


"Rosa Lobato Faria"


Ad eternum com Cármina Burana e" Oh Fortuna"






maria

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Canção Final

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Na impossibilidade de transcrever todo o poema "SENHORA DA NOITE "o qual me fascina do começo ao fim, deixo aqui este cântico, que aparece no final do livro, com uma sonorização tão melódica, tão ternurenta, num balanço tão cuidado, que o próprio leitor embala o sono da noite, coitadinha!...

Aí vem a noite velhinha,
Erma sombra entrevadinha,
Mal pode andar, de cansada..

Já o dia se avizinha...

E noite, triste e sozinha,
Tão pálida e fatigada,
Da sua longa jornada,
Deita-se e dorme.
A alvorada
É o sono bom da noitinha...

E a noite dorme quentinha,
Na cama que lhe foi dada...

Dorme, dorme, sossegada,
Noite de Deus, sombra minha,
Que o teu sono é madrugada...


"Senhora da Noite"......Teixeira de Pascoaes
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sábado, 23 de janeiro de 2010

ENQUANTO...


[ No meu 11º ano, o professor de filosofia pediu aos alunos que escrevessem uma frase que melhor definisse a palavra "morte". A resposta considerada mais básica e mais redutora, foi a de um colega que escreveu: "Morte é um buraco tamanho que nos engole, depois de engolir os nossos entes mais queridos.]
... ...

O funeral do meu irmão trouxe-me à casa de meus pais, na Covilhã, onde já estou há sensivelmente 20 dias.
Esquecida da prática dos meus rituais diários, vagueio um pouco no tempo, longe de mim, como se outra eu fosse.
O meu espaço, são estas paredes cruzadas ao longo de um enorme corredor, que sai mundo fora por uma varanda sobranceira à cidade.
Já vi beleza neste lugar. Já enchi meus olhos de luares serenos e pérolas cintilantes que se perdiam lá longe na linha ténue do horizonte. E madruguei auroras lívidas de sono, num despertar magnífico de fogo e de luz, que emergiam das sombras para se fazerem dia!
Hoje nem sei. Encolho os ombros num gesto de indiferença ao que provavelmente continua a ser belo.
Os dias seguem-se iguais num rosário de afazeres que nos passam pela ponta dos dedos, completamente desvirtuados de vontades.
É Janeiro lá fora e Inverno dentro de mim. A diferença é nenhuma. A tacanhez que se me inflige é a somatização disso mesmo; Geada que tolhe os sentidos.
Espera-se inerte que o telefone toque, para saber dos que estão longe. Suspendem-se amores sofridos, para mais tarde. Aceita-se a dolência em jeito de afago como terapia de colo, a superar...
Curioso que nada tem hora, neste "deixar andar as coisas", mas aflora às vezes, a urgência de ver o tempo passar depressa, como quem está em esforço ou projecta a fuga...
Esta intermitência entre o torpor das vontades e a consciência disso mesmo, é por si só fleumática, consciente ou não, é quase uma exigência da alma na sua fluidez mais genuina.
E este mal estar individual, tão nosso, quanto o deixarmos apropriar, pela força da melancolia da perda, ou pelo arrastar dos suspiros que teimam em ficar, é sem dúvida o grande buraco que nos engole.





maria
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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

LÁGRIMAS


Seguro em meus olhos as lágrimas tristes deste adeus tão breve.
Quisera eu prender-te aqui, num sopro de vida que já não era.
Quisera ainda assim, aliviar o fardo absurdo que te vergava, mas o teu sorriso de menino teimoso era bem mais forte.
A tua verdade embrulhava a vida num passo tão firme e convicente , que o mundo girava à tua medida e surpreendias todos...
No teu jogo, não havia vencidos. Tu eras o vencedor que graciosamente abdicava do prémio.
E parecias feliz, montanha acima, qual sísifo que carrega não a sua, mas as rochas de todos, numa crucifixão abnegada e sadia própria a qualquer mortal.
Magoava-me essa tua forma solitária e gratuita de pegares no mundo, por julgar que desafiavas os limites da sensatez sem te dares conta...
Mas a tua caminhada não tinha paragens, por se fazer tarde. Sei-o agora. E sei também que choraste por todos, nos martírios que não conseguimos vencer; vi essa culpa moída nos teus olhos crepitar em fogo ardente.
E nada mais foi brando no teu sentir. Nem o tempo, que sempre entretinha a tua esperança, quis mais ser compassivo.
Ou ... talvez o faz de conta tivesse mesmo de chegar ao fim.
Os teus silêncios, esses, nunca ninguém saberá se eram divinos ou se eram terríveis, porque tu partiste com um ar muito sereno, mas viveste completamente abandonado de ti.




"Memórias do meu irmão RUI"

maria
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